sábado, 8 de dezembro de 2012

A sombria e majestosa Mantiqueira

 
Fomos buscar em “Memórias de um suicida” respostas para algumas interrogações, dúvidas essas que já haviam sido positivamente instigadas pelas palavras de um companheiro na abertura da reunião de uma conhecida instituição de prevenção do suicídio, hoje areligiosa, sobre o contato histórico que seus fundadores e colaboradores  tiveram com Yvone Pereira em 1972.  O livro de Camilo Castelo Branco (capítulo III - "Homem, conhece-te a ti mesmo" ) não dá indicações diretas sobre onde fica Esperança, mas insinua veladamente sua localização, que tem tudo a ver com as nossas obras no vale do Paraíba, região onde a espiritualidade marianista é intensa tanto no universo católico como entre os espiritualistas.
Quem ali temporariamente estaciona, como eu estacionei, são grandes vultos do crime! É a escória do mundo espiritual - falanges de suicidas que periodicamente para seus canais afluem levadas pelo turbilhão das desgraças em que se enredaram, a se despojarem das forças vitais que se encontram, geralmente intactas, revestindo-lhes os envoltórios físico-espirituais, por seqüências sacrílegas do suicídio, e provindas, preferentemente, de Portugal, da Espanha, do Brasil e colônias portuguesas da África, infelizes carentes do auxílio confortativo da prece; aqueles, levianos e inconseqüentes, que, fartos da vida que não quiseram compreender, se aventuraram ao Desconhecido, em procura do Olvido, pelos despenhadeiros da Morte!

Não sei como decorrerão os trabalhos correcionais para suicidas nos demais núcleos ou colônias espirituais destinadas aos mesmos fins e que se desdobrarão sob céus portugueses, espanhóis e seus derivados. Sei apenas é que fiz parte de sinistra falange detida, por efeito natural e lógico, nessa paragem horrenda cuja lembrança ainda hoje me repugna à sensibilidade.

Ele também dá indicação não somente das razões dos nossos compromissos, mas também das raízes do conhecimento empregado para nos preparar para essas tarefas. Reparem o currículo da escola que ele frequentou ao sair do Vale Sinistro.

 

A CIDADE ESPERANÇA E SUA LOCALIZAÇÃO

Encantados, eu, Belarmino, João e mais os amigos brasileiros Raul e Amadeu, que se haviam incluído em o nosso antigo grupo, mal chegáramos ao Burgo da Esperança, logo nos sentimos atraídos para o novo monitor, e ansiosos pelas lições que se seguiriam. E supúnhamos que idênticas impressões animavam os demais colegas, porque percebíamos sorrisos de satisfação e lidimo interesse esvoaçarem pela assistência.

Entretanto, o aprendizado científico seguiu curso normal, alternando-se com o que vínhamos antes recebendo e mais os conhecimentos práticos através das aulas do eminente Souria-Omar.

Assim foi que o respeitável ancião ministrou-nos o encantamento de presenciarmos o nascimento e progressão, lenta e esplendente, do próprio Globo Terrestre! O que superficialmente conhecíamos (permitam-me que assim me expresse ante a magnificência do que, então, me foi concedido apreciar) através dos códigos de Ciência terrestre, isto é, da Geologia, da Arqueologia, da Geografia, da Topografia, o ilustre instrutor levantou da dobagem dos milênios para nos ofertar como o presente descrito em cenas vivas, em atividades reais, como se houvéramos participado, com efeito, do nascimento e crescimento da generosa estância do sistema solar que um dia nos abrigaria, protegendo nossa ascensão para o Infinito, auxiliando-nos no aperfeiçoamento do germe divino que em nós outros, Homens, como nela própria, também palpita! Tudo presenciamos: a centelha em ebulição, as trevas do caos, os aguaceiros e dilúvios aterrorizantes, os grandes cataclismos para a formação dos oceanos e rios, o maravilhoso advento dos continentes como o nascimento das montanhas majestosas, cadeias graníticas eternas como o próprio globo, tão conhecidas e amadas por aqueles que na Terra têm feito ciclo de progresso: os Alpes sombranceiros quais monarcas poderosos desafiando as idades, os Pirineus graciosos, o Himalaia e o Tibet venerandos, a Mantiqueira* sombria e majestosa, todos, em épocas diversas, surgiram do berço diante de nossos olhos deslumbrados, arrancando lágrimas de nossas almas, que se prosternavam, tímidas ante tanta grandeza, tanta beleza e majestade! Mas, antes disso, em prosseguimento feérico de maravilhas, a luta dos elementos furiosos para o crescimento do pequeno continente do céu, o oceano conflagrado em convulsões pavorosas, sacudindo o seio nascente do mundo imerso em solidão, o cataclismo dos ventos e tempestades a que nada poderá fornecer ao homem idéia aproximada... assim como os primeiros sinais de movimento e vida no leito imenso das águas convulsas, a vegetação, fabulosa e tétrica, no gigantesco volume das proporções... os dinossauros monstruosos, os lagartos de forma e força inconcebíveis à delicadeza corporal do

Homem, os mastodontes, a Pré-História! Era um livro tenebroso, imenso, magnífico, Epopéia Divina da Criação, desferindo alguns poucos acordes da sua Imortal Sinfonia através do Infinito do Tempo, da Eternidade das Coisas! E nesse livro soletrávamos o a b c da Iniciação, gradativamente, pacientemente, às vezes empolgados até ao delírio; de outras, banhados em lágrimas até ao temor, mas sempre ávidos e encantados, ansiosos por mais conhecimentos, lamentando mais do que nunca nossas diminutas forças de suicidas, que nem a terça parte nos permitia entrever do programa excelso ofertado pela Natureza!

 

*Palavra de origem tupi, não utilizada em Portugal, e que significa gota de chuva. Ao nosso ver trata-se da Serra da Mantiqueira.

O CURRÍCULO DA ESCOLA

De todos os conhecimentos que gradativamente adquiríamos, cumpria-nos apresentar pontos construídos por nós próprios, criar exemplos em teses que muito honrariam os institutos terrenos, caso quisessem adotar os mesmos ensinos para esclarecimento e moralização de seus alunos; extrair análises, tudo o que viesse provar nosso aproveitamento na iniciação do psiquismo. Forneciam-nos para tanto álbuns belíssimos, cadernos e livros lucilantes quais flocos de estrelas, e até aparelhos melindrosos, aos quais nos ensinavam acionar, para que também aprendêssemos a projetar para outrem as exemplificações que criávamos, ou mesmo as análises extraídas dos exemplos fornecidos pelos mestres durante as aulas práticas na Terra ou em outra localidade de nossa Colônia. Daí a criação de minhas novelas e a ansiedade de ditar obras aos médiuns, pois, durante as aulas práticas existia permissão para fazê-lo, sempre que um e outro trabalho por nós composto conseguisse aprovação dos maiorais; daí nosso sacrifício de tentarmos, durante cerca de trinta anos, escrever algo, que a um só tempo testemunhasse a Deus nosso reconhecimento pelo muito que Sua Misericórdia nos permitia e o desejo de relatar aos nossos irmãos de infortúnio, encarcerados nas dores terrenas, o que o Além lhes reservava. Para tal cometimento não haveria necessidade de sermos escritores, porque o aprendizado com nossos mentores nos educava o sentimento, equilibrando-nos o raciocínio de molde a conseguirmos servir à Verdade que nos rodeava!

Muita aplicação e devotamento exigiam esses estudos transcendentes, porquanto eram vastíssimos os campos de observação, como grandiosos os motivos diariamente deparados. Convém enumerar as palpitantes matérias estudadas e auscultadas por nós outros até onde nos permitiram as forças mentais que possuíamos:

- Gênese planetária ou Cosmogonia - Pré-História - A evolução do ser - Imortalidade da alma - A tríplice natureza humana - As faculdades da alma - A lei das vidas sucessivas em corpos carnais terrenos, ou reencarnação - Medicina Psíquica - Magnetismo  - Noções de magnetismo transcendental - Moral Cristã - Psicologia  - Civilizações terrenas

Alternados com as aulas de Evangelho, tais estudos apresentavam correlação íntima com aquelas, o que nos impelia a melhor compreender e venerar a sublime personalidade de Jesus Nazareno, ao qual passamos a distinguir, tal como faziam nossos instrutores, como o chefe supremo da Iniciação, pois, com efeito, em todos os compêndios que consultávamos, buscando elucidação na Ciência, deparávamos lições, claros ensinamentos, atos e exemplos daquele Grande Mestre, como padrão máximo de sabedoria e verdade, modelos irresistíveis, bússolas que nos convidavam a seguir para atingirmos a finalidade sem os desvios oriundos do engodo e das falsas interpretações.