domingo, 9 de outubro de 2011

Noivos cadáveres

Casal segura foto-montagem do filho morto e com sua noiva, morta dois anos depois: alívio e certeza da união dos dois no Além. Clique na imagem e leia a reportagem.



Crenças nada mais são do que as nossas insistentes tentativas de combinar elementos contraditórios entre o espírito e a matéria. Tivemos essa nítida impressão ao ler uma extensa matéria sobre os casamentos de cadáveres realizados na China, uma tradição popular milenar reprimida durante a o regime comunista e que agora retorna com toda força da explosão sócio-econômica do país. Para nós ocidentais essa crença pode parecer absurda e sem cabimento, mas entre os chineses de alma simples é a mais pura demonstração de piedade e preocupação com os entes queridos que partem para o Desconhecido. Pais desesperados e perdidos diante da morte de filhos jovens, se entregam de corpo e alma nessa prática que alivia a perda, a falta de perspectiva e o vazio deixado pelos que se foram. O que mais nos choca é a praticidade dos rituais e sua exploração financeira, muita vezes criminosa, para que essas famílias possam realizar os ritos. Segundo a crença, a união de dois mortos facilita a vida no mundo subterrâneo, livrando-os da solidão e de todas as carências que temos quando encarnados e que certamente os desencarnados deveriam ter no outro mundo. Dessa crença surgem então outras práticas óbvias como o comércio de corpos e serviços de união, efeito burocrático e material dos ritos espirituais. Criminosos roubam corpos de jovens ou pessoas solteiras para vender em outras regiões nas quais são utilizados para cumprir promessas funerárias. Uma verdadeira indústria de reprodução de objetos materiais alimenta o consumo de produtos e necessidades dos mortos, que são transpostos para o Além através da força química e simbólica da incineração. Tudo seria normal e menos chocante para nós se não fosse a total sinceridade e transparência moral dos crentes e a praticidade de quem procura satisfazer essas necessidades agilizando e cobrando por esses serviços. Esquecemos, considerando as diferenças culturais, que fazemos o mesmo em nossos rituais funerários e que, na ânsia de falarmos com os nossos mortos também somos capazes de fazer “qualquer coisa” para que o contato seja realizado e aliviar as nossas dores e curiosidades. Quando pensamos em tudo isso, somos tocados de compaixão pelos irmãos chineses e todos que ainda sofrem da dolorosa ignorância espiritual. Também sentimos pena dos seus exploradores, porque realmente não sabem o que estão fazendo. Só lamentamos não poder ofertar aquilo que acreditamos ser o melhor remédio para todos esses males, que é o conhecimento. Mas, de que vale o conhecimento se não abrimos os olhos nem o coração para recebê-lo?