terça-feira, 26 de abril de 2011

Hume e a reencarnação



David Hume, tricentenário do nascimento"


Uma charge de Loredano publicada no Estadão (e que não é esta que aqui ilustramos) nos chamou a atenção, não pela imagem , mas pela ênfase dada na legenda sobre o "tricentenário do nascimento" de um dos filósofos mais lúcidos do Ocidente.


O pensamento de Hume não se restringiu à preocupações temáticas da vida física e sua metafísica também não se enveredou pelas especulações fúteis da intelectualidade, mal que tanbém ataca a experiência filosófica. Refletiu, em referências vagas, sobre a reencarnação, esse curioso fenômeno natural que ainda assombra as mentes e imaturas. Mais curioso ainda é que mentes de pessoas simples, sem as sofisticações do intelecto, muitas vezes compreendem moralmente esse verso do universo porque desenvolveram a capacidade de ver o mundo pela verticalidade da consciência. Deve ser esse o motivo pelo qual a reencarnação caiu no pântano enganoso das crenças ou então da metafísica vazia e cerebral. Poucas mentes a enxergam como uma lei da Natureza e a maioria a define superficialmente como uma ideologica, incapacitando-as de perceber seus mecanismos mais profundos. Embora sejam complexas as suas articulações com a mente e as experiências humanas, a reencarnação é muito simples como expressão em nossas vidas. Isso talvez assuste aqueles que temem a ressurreição, talvez porque esses, como todos nós, temem a si mesmos num grau mais assustador. Hume parece ter superado esse medo que todos nós temos do nosso verso interior ao despedir-se euforicamente dos amigos no momento da morte.

Mas a legenda que exalta o tricentenário de nascimento do grande pensador esqueceu-se de um importante detalhe, do qual o próprio filósofo certamente concordaria.Não se trata apenas de um marco do seu nascimento do corpo, mas principalmente do renascimento existencial permitido pela possibilidade da volta ao corpo. Hume não parou no tempo e no espaço daquele período no qual marcou muitas vidas ao seu redor e as gerações que o sucederam. Sobreviveu a esse limite da carne, nesta ou em outras das muitas moradas do universo.



Salve Hume.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Um olhar do Paraíso

As reencarnações completivas ainda são desconhecidas por um grande quantidade de pessoas , incluindo muitos espíritas. Elas ocorrem quando o espírito precisa completar o tempo interrompido em outra existência, por inúmeras circunstâncias, situação que gera um desequilíbrio que só pode ser equacionado no plano carnal, sobretudo quando há outros envolvidos nos processos de reajuste. É dessa forma que o espiritismo explica o desencarne traumático e prematuro de crianças, onde os pais também são protagonistas da trama existencial reeducativa. É também o que narra o impressionante filme do diretor Peter Jackson.


Um Olhar do Paraíso apela para a simbologia teológica tradicional e do imaginário popular, porém revela importantes verdades da vida espiritual e sua relação com o mundo dos "mortais". A criança assassinada narra seu próprio drama, a trajetória de seu assassino e também de outras vítimas do seu algoz, animalizado e doente, que se torna mero instrumento das leis de reajuste. Apesar das cenas mais impressionantes do que propriamente chocantes, trata-se de uma ótima oportunidade para discutir a morte e o destino, sobretudo com adolescentes. Minha filha viu e ficou assustada, mas foi resolvendo esse medo inicial com uma série de perguntas sobre quase todas as coisas que intrigam no filme. E são muitas: as características mentais do mundo dos espíritos, os mundos transitórios, a comunicação entre encarnados e desencarnados, a mediunidade de auxílio, resgates, fugas, recusa de compromissos, disciplina e perturbação emocional, enfim, uma trama onde a imortalidade ofusca a tragédia humana e assume um tom poético de paz e esperança.


Título original: (The Lovely Bones) Lançamento: 2009 (Nova Zelândia, Reino Unido, EUA) Direção: Peter Jackson Atores: Saoirse Ronan, Mark Wahlberg, Rachel Weisz, Susan Sarandon.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Queremos saber

Foto: Folha de São Paulo on line

Ontem um aluno, talvez conhecendo a nossa visão espírita de mundo, nos pediu algumas explicações sobre o que o correu na escola do Realengo. Queria saber se era possível que o assassino estivesse sob a influência de forças espirituais malignas. Naquele instante termináramos de ler na classe o texto "Individualidade e ambiente", fragmento de um estudo ainda mais amplo escrito pelo Dr. Alankardec Gonzalez, sobre personalidades psicopatas. Nele o psiquiatra recorre ao conceito de "racionalização" para nos fazer entender porque tentamos explicar coisas para as quais não existem explicações.

Para fugir de uma explicação espírita simplista (da nossa parte) que poderia parecer oportunista e tendenciosa naquele momento, prontamente recorremos à ética, argumentando que nenhuma explicação poderia justificar esse ato já que, antes de atuar no papel infeliz, o assassino fez a sua opção de escolha: poderia ter se resignado com seu destino e sua prova; poderia ter fugido da situação, adotando todos os mecanismos possíveis de adaptação ao malogro; e ainda ter atacado a situação e pessoas ali envolvidas,como realmente veio a acontecer na tragédia. Mesmo que estivesse sob o efeito de satanás, de espíritos malignos ou de um líder manipulador encarnado, a responsabilidade da escolha e decisão do ato continuaria sendo dele. O suicídio foi o ato final dessa escolha desastrosa.

E as vítimas, seriam apenas um alvo do acaso ou estariam envolvidas num plano maior de resgates de débitos ou mesmo missão voluntária de sacrifício para auxiliar na construção de uma obra mais profunda de respeito à vida?

Teria o assassino alguma ligação com forças tenebrosas das trevas e que o prepararam pacientemente para levar a efeito um plano de vingança ou propaganda dos seus ideais de domínio e opressão contra as hostes libertárias da luz?

Muitos podem estar pensando que essas dúvidas são precipitadas, inconvenientes e até descabidas num momento de choque e luto como esse. Mas de que adianta o silêncio senão aumentar ainda mais a sensação de impotência diante de um fato tão absurdo?

Devemos nos contentar com explicações racionalizadoras da ciência ou também podemos nos valer de uma filosofia que nos leva a questionar o que está por trás desses acontecimentos que jamais poderão ser classificados como normais ou simples tendência de uma época comum?

Queremos saber. Todos queremos saber.

domingo, 3 de abril de 2011

Fala, Raimundão!


Na semana passada desencarnou o amigo Raimundo, de 73 anos de idade (23 a mais do que eu), mulato baiano, alto, magro e de cabelos brancos. Muito falante e cheio de ideias, Raimundo me considerava seu amigo e eu, desconfiado das suas conversas de vendedor (aposentou-se como representante comercial de grandes multinacionais), ficava ouvindo atento as suas longas histórias pensando no por quê ele queria ser meu amigo, já que, segundo o meu preconceito, pessoas experientes não fazem questão de se aproximar dos outros para fazer amizade. Mas ele sempre dava um jeito de se aproximar e principalmente me segurar numa conversa, dizendo “Senta aí, relaxa, me conta as novidades...” Mas quem sempre contava as novidades era ele, sempre. Gostava muito de demonstrar conhecimento e lamentava não ter podido estudar e até confessou que a sua cabeça nunca foi boa para essas coisas. Mal sabia que eu também nunca fui muito amigo dos estudos. Me chamava de "Professor" e nunca pelo meu nome. Nunca falamos sobre espiritismo ou coisas do outro mundo. Ele gostava mesmo era de falar das coisas desse mundo, das “coisas boas”, pescarias, caçadas, mulheres, um pouco de futebol. E também da vida outros. Isso me preocupava porque eram coisas curiosas e atraentes, difíceis de resistir, e também porque ficava intrigado me perguntando se também não falava da minha vida para os outros. Daí a minha desconfiança. As vezes fugia dele, alegando pressa de ir para o trabalho, e apenas saudava de longe: “Fala Raimundão!” De resto era tudo muito legal e gostoso aqueles papos quase unilaterais sobre as mil coisas que se passavam pela cabeça dele. Quando a conversa ia afinando, comentava: “Ficar velho não é fácil, dá um trabalhão manter as coisas em ordem!” Gostava de política e vivia se metendo nos assuntos do condomínio. Queria que eu fosse o próximo síndico. Minha desconfiança aumentou e pensei: “O Raimundão tá querendo me ferrar!”. Era corintiano. Passou umas contrariedades na última eleição, da qual fiquei bem longe (alegando que já havia dado minha contribuição no Conselho), mas não creio que esse tenha sido o motivo do aneurisma que provocou sua passagem. Eu já estava aguardando esse desencarne porque percebia que ele andava muito inquieto e ansioso. Um dia antes me cobrou uma conversa mais longa. Atendi o pedido e tivemos a oportunidade de colocar algumas coisas nos devidos lugares. Nessa conversa, algum tempo depois de iniciada, tivemos a presença de outras pessoas que foram se aproximando de nós, sentindo o clima amistoso e alegre, juntando-se para também se despedir do amigo que ia partir. E se foi o Raimundo, em meio aquela agitação natural dos gritos dos vizinhos, do barulho do resgate, dos parentes chegando desorientados, enfim, a hora dos mortos enterrarem seus mortos. Uma semana depois me perguntaram se tinha ido ao velório, enterro e missa. Fiquei constrangido pela minha indelicadeza. Mas lembrei de uns detalhes curiosos: minha esposa me disse que na noite logo após o desencarne, perambulei pela casa, fora do corpo. Foi uma noite perturbadora, de agonia. Sete dias depois, a noite foi bem diferente. Conversei com o Raimundo. Ele queria falar , mas não conseguia. Dessa vez foi a minha vez de falar... Ele estava bem, mas ainda meio perdido, como eu naquele lugar de triagem e espera. Eu olhava no relógio e também queria dizer ao Raimundão que esse ano vou fazer 50 anos. Ele sorria e, sem dizer uma palavra, informava que me achava bobo, mas que gostava de mim. Acordei diferente e logo pensei: “Não fui no velório, no enterro nem na missa, mas fui num lugar muito melhor. E o Raimundão está vivinho da Silva!”