sábado, 28 de março de 2009

A morte e os filósofos

David Hume: despedida eufórica dos vivos, apesar das fisgadas no abdome.


Sérgio Augusto


Os filósofos costumam durar mais que a gente ou é apenas impressão?

Mais que a maioria dos tiranos eles duram, e isso é um consolo. Sêneca, por exemplo, morreu com 71 anos, idade avançadíssima para a época (século 1 d.C.), ao passo que seu algoz, Nero, não foi além dos 32. Tales de Mileto, o primeiro filósofo ocidental, e Sócrates também chegaram aos 70. Demócrito atingiu o recorde de 109 anos, nove a mais que o pitagórico e místico ambulante Apolônio de Tiana. Pitágoras, Sólon e Platão viveram até os 80, feito mais notável antes da Era Cristã do que os 92 alcançados pelo hermeneuta francês Paul Ricoeur em 2005. Claude Lévi-Strauss, não custa lembrar, continua vivo - e, desde novembro, centenário.

Se não foi apenas uma figura lendária, como muitos acreditam, o cretense Epimenides logrou atravessar quase dois séculos de vida, um quarto dos quais teria passado dormindo numa caverna, como um Rip van Winkle do século 6 a.C. Desconsiderem-no, portanto. Mas mantenham Calígula (que não passou dos 28) e os demais césares. Napoleão? Morreu cinquentão.

Vez por outra, alguém se interroga sobre a proverbial longevidade dos filósofos; geralmente na Inglaterra, onde também é grande o interesse em torno da maneira trágica como a maioria dos filósofos costuma partir desta para melhor. "Todos os filósofos eminentes dos últimos dois séculos ou foram assassinados ou disso escaparam por pouco", notou Thomas de Quincey, em meados do século 19.

Inspirado por essa observação, o emérito professor de filosofia D.H. Mellor, da Universidade de Cambridge, produziu uma lista de não sei quantos filósofos com sua respectiva "causa mortis"; não a verdadeira, visando dar sustentação à tese de De Quincey, mas a que o seu senso de humor, inspirado nas idéias de cada um deles, logo, só para os iniciados, ditou. Segundo Mellor, Leibniz teria (ou deveria ter) morrido de "monadanucleose"; Marx, de "causas materiais"; Henri Bergson, de "élan mortal"; Maquiavel, vitimado por uma "intriga"; e Lutero, por uma "dieta de vermes" (no original, Diet of Worms, referência à Dieta de Worms, a cimeira de 1521 na cidade alemã de Worms, em que Lutero se recusou a baixar a crista para o Vaticano).

Recentemente, outro professor de filosofia britânico, Simon Critchley, há tempos dando aula na New School for Social Research, em Nova York, investigou a suspeita firmada por De Quincey e descobriu que os grandes filósofos, vida longa à parte, não só costumam sofrer muito antes de morrer como, desde a Antiguidade, preocupam-se à beça com a questão da "boa morte".

A maioria dos 190 exemplos por ele arrolados, sob a forma de verbetes, em The Book of Dead Philosophers (O Livro dos Filósofos Mortos), editado pela Grantas na Inglaterra e pela Vintage nos Estados Unidos, comprova essa tendência. A lista começa com os pré-socráticos e vem até o século 20. Ou seja, de Tales de Mileto (que morreu de desidratação enquanto assistia a uma prova de atletismo) a Michel Foucault (que morreu de aids) e Guy Debord (que se matou).

Sócrates foi condenado a beber cicuta. Aristóteles ingeriu uma ranunculácea venenosa. Heráclito sufocou-se em estrume de vaca. Empédocles jogou-se no vulcão Vesúvio. Diógenes ou prendeu o fôlego além da conta ou intoxicou-se com um polvo cru. Diderot engasgou-se com um damasco. Uma indigestão de patê trufado levou ao túmulo o reputado médico-filósofo do século 18 Julien Offray de la Mettrie. O poeta latino Lucrécio só morreu relativamente jovem (43 anos) porque se suicidou, no século 1 a.C. Maquiavel terminou seus dias na miséria. Karl Max tinha o corpo coberto de carbúnculos quando a morte o pegou dormindo numa poltrona. Nietzsche demorou uns 10 anos sendo consumido pela sífilis e a loucura. Roland Barthes foi atropelado por uma ambulância. Pouco antes de enfartar, Hannah Arendt caiu num bueiro ao sair de um táxi em frente ao prédio onde morava, em Manhattan. Francis Bacon meteu-se a refrigerar um frango com um punhado de neve de uma rua londrina, pegou friagem e...

De todos esses terríveis epílogos, o do filósofo e dramaturgo Sêneca foi o que mais me impressionou. Conselheiro de Nero e por este condenado ao suicídio, em 65 d.C., lembramo-nos dele na célebre pintura de Rubens (circa 1601), que nem de longe retrata as agruras por que passou antes de tomar aquele fatal banho de tacho. O estoico romano primeiro cortou os pulsos. Perdeu rios de sangue, mas continuou vivo. Aí pediu veneno (acônito, o mesmo que teria matado Aristóteles), e nada. Metido por seus serviçais num tacho de água quente, ali, finalmente, desencarnou, provavelmente sufocado pelo intenso vapor do banho.

Albert Camus só ganhou espaço no livro de Critchley por ter qualificado a morte em acidente de carro como a "mais absurda" de todas. Se Camus teve uma morte absurda, as de Periander, Pitágoras e Tycho Brahe foram patéticas, beirando o ridículo.

Periander de Corinto, um dos sete sábios da Grécia, ao lado de Tales, Sólon e Chilon, tanto tramou para que seu túmulo jamais fosse encontrado, que acabou assassinado por um dos participantes da trama. Pitágoras não teria sido degolado onde hoje fica a Calábria, na Itália, se tivesse escapulido por uma plantação de feijão. (O autor do mais famoso dos teoremas detestava tanto a leguminosa que se recusava até a olhar um feijoeiro, quanto mais esgueirar-se no meio de um feijoal.) Tycho Brahe, o desnarigado astrônomo dinamarquês do século 16, grande revisor do universo ptolomaico, poderia ter chegado aos 60 anos, ou ido além disso, se não tivesse deixado para fazer xixi depois de um banquete que durou horas - e culminou com o estouro da bexiga do astrônomo.

"Morte? Não penso nisso", vangloriava-se Jean-Paul Sartre. Foi uma exceção à regra. Cícero, citado na introdução de O Livro dos Filósofos Mortos, achava que "filosofar é aprender a morrer", acrescentando: "O medo da morte é o que define a vida humana neste canto do planeta, no momento presente." Montaigne recomendava que aqueles que ensinam as pessoas a viver, isto é, os filósofos, deveriam ensiná-las também a morrer.

Num dos quatro diálogos que Platão lhe dedicou, Sócrates comenta (para Símias) que "os verdadeiros filósofos exercitam-se para morrer", daí seu pouco ou nenhum temor da morte. "Eu destoaria, se, na minha idade, me agastasse por ter de morrer em breve", diz ao igualmente velho Critão, numa cela de Atenas, às vésperas de sua "execução".

Para Epicuro, o medo da morte e o anseio da imortalidade são os sentimentos que mais arruínam nossa passagem por este mundo. Viver bem e morrer bem tinham, para ele, o mesmo peso. Se a vida deve ser entendida como uma prática ou uma preparação para a morte ("Do ponto de vista da morte, a vida nada mais é que a produção de um cadáver", escreveu Walter Benjamin, que, aliás, se suicidou em 1942), o contentamento da alma é muito mais que um vão desejo, é uma obrigação.

Contrastando com pitagoreanos, platônicos e estoicos, Epicuro via a morte como uma extinção completa e a alma, como apenas um amálgama temporário de partículas atômicas. O pai do epicurismo morreu sete anos depois de Platão. Sempre adoentado, não resistiu às dores de uma cólica renal, mas despediu-se sorrindo, afiançando a amigos e discípulos que seu sofrimento fora sempre contrabalançado pela alegria proporcionada pelos exercícios do raciocínio.

Quase dois mil anos mais tarde, o empirista escocês David Hume se despediria dos vivos na maior euforia, apesar das fisgadas que lhe pungiam o abdome. Talvez porque, segundo inconfidência de James Boswell, o maior ateu de Edimburgo passara a acreditar na possibilidade de vida depois da morte. Até Sócrates, com o pé na cova, reconsiderou seu ceticismo. "Tenho uma boa esperança de que alguma coisa espere os mortos e, segundo velha tradição, seja muito melhor para os bons do que para os maus", revelou numa conversa com Fédon e Equécrates. E sorveu em paz sua cicuta.

Estadão – 07/03/2009- As lições de vida e morte dos grandes filósofos.
Professor dos EUA produz lista divertida sobre a causa mortis dos pensadores

Sócrates: "os verdadeiros filósofos exercitam-se para morrer"

sábado, 21 de março de 2009

Da soberba e a mania de comer o mundo com os olhos

O blog IDÉIA ESPÍRITA lançou um desafio aos blogueiros: refletir sobre os Sete Pecados Capitais na ótica espírita. Já havíamos feito isso antes ao escrever os ensaios “A Inteligência Espiritual” e “ Você em busca de você mesmo” ( resumidos no blog “O Relógio e a Bússola” ). Mas agora a cobrança foi mais direta e vivencial. Espero que seja útil para alguém, pois em nós causou um tremendo mal estar.

“Cara amiga Joana, fiz de tudo para sumir do mapa e não é que você me achou? E para saber exatamente como anda a minha caverna escura, que teimo não visitar. Mas vamos lá.
Vou ser breve porque não gosto muito de falar sobre isso. Tenho consciência de que os sete pecados estão presentes de forma significativa em minha experiência cotidiana e que as virtudes ainda estão bem afastadas, cultivadas apenas como objeto de admiração e desejo.

Por sempre estar acima do peso ideal, penso que o meu ponto fraco principal é a gula, pecado que me fez o favor de quebrar a timidez e me afastar da solidão. Sou extremamente desinibido quando se trata de comer ou procurar comida e sempre faço amizade quando as pessoas são aquelas do tipo generosas, que estão sempre oferecendo algo para a gente mastigar. Minha melhor amiga sempre foi a geladeira e nem vou falar das outras amizades-objeto.

Mas esse pecado é visível e não me assusta, a não ser pelo medo de um dia desencarnar e perder o controle sobre essa idéia e me tornar um vampiro glutão. Tenho horror a isso e sempre me questiono se não estou sendo usado por alguém invisível que tem esse problema. O que me preocupa mais são os pecados que fazem mal aos outros. Geralmente quando alguns deles estão para se manifestar, sinto um frio na barriga e depois sempre aparece uma situação de prova para enfrentá-los. De todos, o que eu mais temo é a soberba. Essa fraqueza da auto-suficiência e da falta de humildade me apavora porque é o tipo de defeito que fere e magoa os outros, sem contar que desperta nos invejosos um sentimento ruim e desconfortável sobre a gente. Me esforço para ser humilde e discreto, mas sempre aparece alguém para comentar sobre isso e acaba com meus esforços de sumir de cena. Apagar a luz-própria é fácil. O duro é apagar uma luz que não existe e que os outros fingem enxergar. Isso é angustiante e perigoso. Viver assim, para quem tem conhecimento sobre causa e efeito, é um risco existencial grave e exige vigilância redobrada sobre a vaidade. Muitas vezes tenho sensação de medo e pânico sobre algo desconhecido e logo associo esse temor à minha soberba. Quem pensa que é famoso sem ser famoso, importante sem ser importante e insubstituível sem realmente ser certamente terá medo de enfrentar situações que exigem modéstia e discrição. Tenho estado assim e à vezes me lembro de pedir a Deus que me proteja desse defeito, tão ignorado por mim e tão bem conhecido pelos meus inimigos.
Um forte abraço e grato por Deus ter feito você se lembrar de mim

Ps. Ver questão 919 de O Livro dos Espíritos, respondida por Santo Agostinho
Para escrever esse artigo consultamos também o excelente Manual Prático do Espírita, de Ney Prieto Peres - Editora Pensamento.
E finalmente devemos lembrar que, em O Céu e o Inferno, Allan Kardec expôs esses temas de forma realista, mostrando - nas experiências depois da morte - os efeitos conscienciais das atitudes humanas. Para tanto, foram invocados para falar Espíritos agrupados em três categorias: os felizes, os de condição mediana e os sofredores. A tradução de J. Herculano Pires e João Teixeira de Paula (LAKE) possui um prefácio feito por Herculano denominado "Notícias do livro" que é simplesmente maravilhoso.

sábado, 14 de março de 2009

O acordeon e o Espiritismo


Por que a França desprezou o Espiritismo?
É difícil entender por que o país que foi berço da doutrina e do movimento espírita não conhece seu Codificador e olha com indiferença os seus postulados filosóficos. Isso também aconteceu com o catolicismo, que hoje é apenas um patrimônio histórico. Como explicar o fenômeno? Apelamos para tudo, até a idéia da reencarnação fora da França de milhões de almas que ali haviam cultivado a doutrina espírita. Outros atribuem a derrocada aos efeitos morais devastadores das guerras mundiais, que transformaram não só os franceses mas a maioria dos europeus em pessoas frias e descrentes. Os que permaneceram “na fé” o fazem por tradição e conveniência social e não mais por convicção religiosa. Os franceses e descendentes que conhecemos, são – por incrível que pareça – mais admiradores da umbanda e do candomblé, como manifestação folclórica. Observam o Espiritismo com certa desconfiança. São dois extremos: ou são céticos ou então supersticiosos. Digo a eles que as almas francesas aqui reencarnadas se concentraram mais no nordeste, onde introduziram entre os caboclos o gosto pela criatividade culinária, pelas artes plásticas, o teatro, a dança, a musicalidade do canto e do acordeon. Ninguém me tira da cabeça que Luiz Gonzaga, Patativa do Assaré, Gilberto Gil, Mestre Vitalino e os inúmeros pintores naifs foram franceses. Outra contribuição deles foi na política e na intelectualidade, marcantes entre os líderes e escritores, tanto no segmento conservador como no progressista. Joaquim Nabuco, João Cabral de Melo Neto, Jorge Amado, Gilberto Freyre, Miguel Arraes e seu filho cineasta, bem como Ariano Suassuna certamente me deixam a mesma impressão. A trajetória do nosso atual presidente da república e de muitos outros ativistas é prova de que o Espírito vence as supostas limitações genéticas e sociais e permite a manifestação das suas inclinações anteriores. É claro que isso acontece nas demais regiões brasileiras, mas entre os nordestinos é mais vibrante. Nos livros de André Luiz e muitos outros psicografados por médiuns brasileiros, as tramas quase sempre envolvem essas antigas almas francesas enfrentando duras provas e expiações, sobretudo entre os retirantes da seca. Em Pernambuco nos parece que essa influência é ainda mais notória , tanto no sertão quanto litoral. Digo isso não só pela riqueza das manifestações culturais, cujas expressões são realmente impressionantes em todas as áreas, mas no renascimento do Espiritismo naquelas terras. Com exceção Ceará, que possui um histórico já secular, é um movimento autônomo e de gosto forte pela liberdade. Isso não significa que estão na vanguarda, que são auto-suficientes ou que não precisam de orientação e influência dos grupos mais experientes. Pelo contrário, se não houver uma aproximação e direcionamento comum, ali a chama pode apagar, como aconteceu em outros lugares.

sexta-feira, 6 de março de 2009

A razão e a fé



358- O abortamento voluntário é um crime, qualquer que seja a época da concepção?

- Existe sempre crime quando transgredis a lei de Deus. A mãe, ou qualquer pessoa, cometerá sempre crime tirando a vida à criança antes de nascer, porque está impedindo, a alma, de suportar as provas das quais o corpo deveria ser o instrumento.


359- No caso em que a vida da mãe estivesse em perigo com o nascimento da criança, há crime em sacrificar a criança para salvar a mãe?

- É preferível sacrificar o ser que não existe ao ser que existe.

O Livro dos Espíritos – Paris , 1857



Igreja excomunga envolvidos em aborto de menina estuprada

Agência Brasil


BRASÍLIA - Os envolvidos no processo de aborto de uma menina de 9 anos que foi estuprada foram excomungados pelo arcebispo de Olinda e de Recife, d. José Cardoso Sobrinho. De acordo com a polícia, o padrasto da criança já confessou que abusava da garota. A decisão da Igreja foi criticada pelo ministro da Saúde, José Gomes Temporão.

O arcebispo condenou os responsáveis pelo aborto e disse ao Jornal Hoje que "o fim não justifica os meios. Esse é o princípio , a doutrina moral da Igreja. Os adultos, quem aprovou e quem realizou esse aborto, incorreu na excomunhão."

Para o ministro, a decisão foi "radical" e "inadequada". "A lei brasileira é muito clara: a interrupção da gravidez é autorizada em caso de estupro ou em caso de risco de vida da gestante. O resto, é opinião da Igreja. Trata-se de uma criança e, do ponto de vista biológico, não acredito que ela tivesse condições de levar a termo essa gestação de gêmeos", disse, ao participar de entrevista a emissoras de rádio durante o programa Bom Dia, Ministro. "Estou impactado", afirmou.

A menina estava grávida de gêmeos e, de acordo com médicos, se a gravidez fosse levada a diante, ela correria risco de vida. Na terça à noite, a menina foi internada e recebeu medicamentos para interromper a gravidez. Ao justificar sua decisão, dom José Cardoso Sobrinho disse que, aos olhos da Igreja, o aborto é crime e que a lei dos homens não está acima das leis de Deus.

Para Temporão, o ato de excomungar os envolvidos no aborto é um contra-senso diante do que aconteceu à criança, vítima de estupro pelo padrasto. "Fiquei chocado com os dois fatos: com o que aconteceu com a menina e com a posição desse religioso que, equivocadamente, ao dizer que defende uma vida, coloca em risco uma outra tão importante."

O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, que estava ao lado de Temporão quando ele se pronunciou também fez seu comentário: "Quero falar como cidadão: estou muito revoltado. Essa menina foi violentada, já teve um trauma grande. A Igreja, em vez de ajudar, criou uma questão a mais." E em seguida, completou: "É a criminalização da vítima."

(com Lígia Formenti, de O Estado de S. Paulo)



Equipe médica excomungada diz que não está arrependida

Garota foi estuprada pelo padrasto; por interferência de arcebispo, ela teve de ser transferida de hospital

AE - Agência Estado


SÃO PAULO - Depois do aborto a que foi submetida uma menina de 9 anos estuprada pelo padrasto e grávida de gêmeos, toda a equipe médica que participou do procedimento e a mãe da criança, que o autorizou, foram excomungadas da Igreja Católica. O anúncio da excomunhão, feito pelo arcebispo de Olinda e Recife, d. José Cardoso Sobrinho, provocou polêmica. Dois ministros de Estado fizeram críticas à atitude do religioso. José Gomes Temporão, titular da Saúde, considerou a excomunhão "lamentável". Carlos Minc, do Meio Ambiente, declarou que estava "revoltado".

Profissionais de saúde que viraram alvo da sanção eclesiástica disseram ontem que não estão arrependidos. "Graças a Deus estou no rol dos excomungados", disse a diretora do Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam), Fátima Maia. Católica, ela disse ter agido como diretora de um instituto de referência no Estado para atendimento à mulher vítima de violência sexual, mas pessoalmente também não tem nenhum arrependimento. "Abomino a violência e teria feito tudo novamente. O Cisam fez e vai continuar fazendo, estamos qualificados para esse tipo de atendimento há 16 anos."

Católico de batismo, não praticante, o gerente médico do Cisam, Sérgio Cabral, um dos que participaram da interrupção da gravidez de 15 semanas da criança, frisou não ter nenhum problema de consciência. "Estou cumprindo um trabalho perante a população pobre de Pernambuco que só tem o Sistema Único de Saúde para resolver seus problemas." O médico preferiu não comentar a excomunhão da Igreja.

Coordenadora do Grupo Curumim, uma ONG que trabalha com reprodução feminina e integra o Fórum de Mulheres de Pernambuco, Paula Viana criticou abertamente o arcebispo. "Assusta achar que a vida de uma menina vale menos que o pensamento de um religioso fundamentalista", disse. "Todos os procedimentos foram feitos com base na lei", lembrou, referindo-se ao estupro e ao risco de vida que a menina corria pela imaturidade de seu aparelho reprodutivo. De acordo com a diretora do Cisam, a criança poderia ter ruptura de útero, hemorragia e bebês prematuros, além de risco de diabete, hipertensão, eclâmpsia e de se tornar estéril.

A gravidez da menina, que mora em Alagoinha (227 km do Recife), foi descoberta no último dia 25. Ela sentia dores na barriga, tonturas e enjoos e foi levada pela mãe, de 39 anos, a uma clínica na cidade vizinha de Pesqueira. No dia seguinte, o padrasto, de 23 anos, foi preso após confessar que abusava da menina havia três anos e também tinha estuprado a irmã mais velha, de 14 anos, que tem deficiência física. A menina foi levada para o Instituto Materno Infantil de Pernambuco (Imip), na capital, onde seria submetida ao aborto. D. José interveio, falou com a direção e conseguiu que o instituto suspendesse o procedimento. A paciente foi então transferida para o Cisam.

Há dois anos, d. José gerou polêmica ao tratar da distribuição da pílula do dia seguinte no carnaval, alegando que o método é abortivo, e não contraceptivo. A arquidiocese pediu a suspensão da distribuição, mas não teve sucesso.

domingo, 1 de março de 2009

Deus e o ônibus na Europa

Propaganda ateísta: "Provavelmente Deus não existe. Pare de se preocupar e aproveite a vida."


Deus continua em moda, seja entre os crentes, seja entre os ateus.

O problema é que os crentes costumam dar umas escorregadas em sua fé e os ateus, por sua vez, não conseguem esconder seu vivo interesse pelo Criador. Deus deve olhar pra eles e resmungar: Criaturas...

Para os espíritas, Deus não é alguém, pessoa específica, mas não aceitamos que seja alguma coisa que ainda está fora do nosso alcance, exceto pelas orações. Allan Kardec abre o livro dos Espíritos colocando os mesmos na parede ( ou no muro do Universo) e pergunta: “ O que é Deus? ” Se o Espírito que respondeu essa questão fosse o Moisés que conhecemos da Bíblia, ele diria: “ Mas que atrevimento, não sabem quem são eles mesmos e querem saber quem é Deus”.

Mas a pergunta não foi “Quem é”, e sim “O que é”. Então Moisés cederia a vez para o Espíritos Sócrates, Platão, Fénelon ou Franklin, que responderiam mais ou menos assim: “Deus é a inteligência suprema, causa primeira de todas as coisas”.
Como todos sabem, depois desse rápido diálogo inicial a conversa entre Kardec e os Espíritos foi longe, terminando essa primeira etapa com a pergunta 1018, sobre a metáfora do Reino de Deus. Começa com Deus e termina com Deus. A pergunta final foi respondida por São Luis que, ao lado de Santo Agostinho, vinham tratando das questões morais geradas pelas incômodas dúvidas de Kardec. Essa primeira etapa, como também todos sabem, resultou nas dissertações e pesquisas compiladas nos livros complementares, publicados por Kardec nas duas primeiras décadas da segunda metade do século XIX. Disso tudo surgiu o Espiritismo, os centros espíritas e os principalmente os espíritas...
Essa visão impessoal de Kardec - e também dos Espíritos sobre Deus - até que nos deixa tranqüilos quanto aos ataques materialistas, porém não diminui a nossa dúvida. Pelo contrário, queremos saber mais sobre Deus e sobre as coisas. Foi exatamente por isso que buscamos os Espíritos. Se os homens e as religiões não nos davam respostas, apelamos para a própria Natureza.

Sócrates tinha razão sobre a natureza do saber.

A Era da Incerteza

Contra-propaganda religiosa nos ônibus de Barcelona. " Sim, Deus existe. Aproveite a vida com Cristo"
Gilles Lapouge* - Estadão

A cidade de Barcelona, na Espanha, nos envia notícias de Deus. E não são notícias boas: um enorme cartaz vem sendo exposto, há alguns dias, na lateral dos ônibus, com a seguinte informação: "Provavelmente Deus não existe." Em seguida, um conselho: "Pare de se preocupar e aproveite a vida."

A primeira idéia é que essa campanha em favor do ateísmo surgiu apenas em Barcelona, a grande cidade catalã que é um dos centros do anarquismo espanhol e a capital dos livres pensadores. Mas soubemos que os ônibus de Madri, Sevilha, Bilbao, cidades ardorosamente católicas, também estão prontos a nos comunicar suas provas da "não-existência de Deus".
Aliás, não é só a Espanha que começa a fazer essa enorme publicidade em torno da ausência de Deus. Ela foi lançada alguns dias antes em Londres, onde um coletivo de ateus entendeu que o bicentenário, neste ano, do nascimento de Charles Darwin era uma boa ocasião para lembrar que as provas da existência de Deus são frágeis.


A França, que adora esse tipo de debate, por enquanto está muda. No entanto, o país tem uma longa tradição de ateísmo. Ainda na década de 50, os militantes ateus franceses, empoeirados e barbudos, escolhiam a Semana Santa para ir ao açougue e encomendar, com voz ensurdecedora, duas bistecas bem sangrentas.

Mas esses ônibus me deixaram em dúvida. Num certo sentido, estou contente. Há décadas leio compêndios de Filosofia e Teologia. Comparo as demonstrações de Santo Ambrósio com as de Nietzsche, na esperança de decidir se Deus existe ou não. Tudo isso em vão, porque sou muito influenciável e o "último que fala me parece sempre estar com a razão".

No caso dos ônibus de Barcelona, a vantagem é que a demonstração é tão rápida, tão fulminante, que nem temos tempo de contestá-la. Enfim temos uma certeza: Deus não existe.

O que é de lamentar é que os ateus de Barcelona não vão até o fim na sua afirmação. São ateus escrupulosos. O "provavelmente" da frase é uma calamidade. Ele reintroduz a dúvida num assunto sobre o qual precisamos de certezas. Quando eu me dispunha a mergulhar no ateísmo, começo a hesitar. Estou indeciso em "duvidar" da existência de Deus. Esses ônibus espanhóis, longe de simplificar as coisas, as tornaram mais obscuras.

E eu volto a folhear as páginas de meu Santo Ambrósio e de meu Nietzsche e retorno à busca de "provas". Mais uma vez, comparo os méritos contrapostos do ateísmo e da fé. Talvez ter fé seja exatamente isso: nos perguntarmos incessantemente se temos fé, esperando que, no dia da nossa morte, possamos fazer essa pergunta diretamente para Deus, mais confiável apesar de todos os ônibus anarquistas de Barcelona, e exigir dele uma resposta clara.

* Gilles Lapouge é correspondente em Paris - Sábado, 17 de Janeiro de 2009 Versão Impressa