sexta-feira, 28 de março de 2008

O Dossiê Canuto Abreu

Silvino Canuto Abreu e J. Herculano Pires, à esquerda, compondo a mesa no evento dos 100 anos de O Livros dos Espíritos


Figura ímpar de vasta cultura e erudição, o Dr. Silvino Canuto Abreu certamente foi uma das pessoas que mais contribuíram para a preservação da memória do Espiritismo. Sua obras são impecáveis, tanto pelo gosto quanto no estilo. Escrevia e falava com fluência os idiomas clássicos e suas principais derivações modernas, o que lhe permitia o acesso aos textos e relíquias literárias da antiguidade religiosa oriental e greco-romana.

Dessa forma ele nos brindou com pérolas do tipo “O Evangelho por fora”, cujas ricas notas excedem a prória narrativa, mas que nos ensina um olhar especial e diferenciado sobre as coisas e a essência da Codificação. Depois que lemos um exemplar presenteado pelo confrade Azamar Trindade, nunca mais usamos a expressão Espírito de Verdade, mas simplesmente “Espírito Verdade”.

No apetitoso “ O Livro dos Espíritos e sua tradição histórica e lendária”, também editado pelo Instituto de Cultura Espírita de São Paulo, nos deliciamos com uma fictícia - ou seria real? - descrição dos acontecimentos cotidianos que marcaram o lançamento do Livro dos Espíritos, no dia 18 de abril de 1857. Conduzindo o relato, o nosso cronista descreve os fatos desde as primeiras horas da manhã, quando o lote da publicação chega para ser exposto na livraria Dentu até as últimas horas da noite, num coquetel comemorativo, reunindo no pequeno apartamento de Rivail e Amélie todas as pessoas que colaboraram diretamente para que edição viesse à público. É um texto perfeito para um roteiro de cinema. Sobre esse episódio Chico Xavier, em relato para Suely Caldas Schubert, disse que, naquela manhã, ao sair da livraria, Kardec encontrou-se com George Sand e ofereceu o seu exemplar histórico do Livro para a conhecida escritora e ex-companheira de Chopin.

Temos ainda, com seu toque de genialidade, a tradução da primeira edição do Livro dos Espíritos, feita especialmente para comemorar o 100 anos do evento, em 1957. Também não podemos esquecer seus artigos publicados na Revista Santa Aliança (Metapsíquica), nos quais mergulhamos nas mais remotas raízes da tradição herética lyonesa e nos fatos que as ligam com os adeptos do Espiritismo nos tempos modernos. Com o mesmo talento, biografou o Dr. Bezerra de Menezes, fornecendo ricos subsídios para a história da formação das primeiras instituições espíritas no século XIX.

O Dr. Silvino, na condição de médico e adepto da homeopatia, nos legou também um precioso acervo a respeito das atividades dos fundadores dessa modalidade curativa e suas ligações e afinidades com o kardecismo. Frequentou importantes círculos espíritas na França, sempre em busca de “novidades antigas” , tendo convivido com o escritor Gabriel Dellane, filho de uma das médiuns de Allan Kardec e produto autêntico da primeira geração de espíritas históricos:

“Assisti a trabalhos por ele presididos. Ouvi suas lições práticas. Suas longas e cintilantes narrativas. Suas discussões, em que às vezes erguia a voz, exaltado pela convicção posta em dúvida, e logo a baixava, sorridente, ao perceber a porta do misticismo, que detestava como cientista.”

Mas de todas as suas contribuições, sempre com grande fôlego intelectual, destaca-se uma revelação pessoal, feita diante de várias testemunhas, cuja versão e repercussão tornaram-se maiores do que o próprio fato. Diante do espanto dessas pessoas, Canuto conduziu-os ao seu escritório e sacou dos seus arquivos os tais textos e aprofundou ainda mais a gravidade da revelação , dado ao impacto ali causado na mente dos presentes e suas consequências no universo social espírita. Ele se referia às cartas redigidas por Allan Kardec e dirigidas a Léon Denis contendo denúncias de traição ao Espiritismo contra o advogado J.B. Roustaing.

Para quem alimenta uma imagem sacralizada do Codificador, que era um cientista nato, esta não é uma informação fácilmente compreensível sobre Allan Kardec. Para quem foi educado para cultuar a natureza mística das instituições espíritas, o questionamento científico da figura de Roustaing não combina com a postura serena do mestre lyonês, mesmo que os textos por ele escritos e publicados na Revue digam ao contrário. Acreditam também alguns confrades mais moderados que essa grave questão será esquecida ou melhor compreendida com o passar do tempo. Em todo caso, ela já faz parte da história das nossas controvérsias e merece registro.


Polêmicas que fiquem à parte, pois o que nos interessa realmente é apresentar a fígura clássica de Canuto Abreu aos nossos leitores. Tarefa difícil, já que, sempre que o colocamos em destaque, surge na sua biografia as afinidades e também alguns embates entre ele e algumas personalidades influentes do nosso movimento.


Canuto e Herculano

“Nas comemorações do bicentenário de Allan Kardec, realizadas em Paris em outubro de 2004, ocorreu um fato muito curioso. No congresso internacional preparado para homenagear o nascimento Codificador registrou-se a presença de centenas de representantes de diversos países – a maioria brasileiros – e de médiuns de grande prestígio no movimento espírita brasileiro. Uma grande expectativa estava no ar. Que personalidades espirituais se manifestariam naquele evento histórico? Talvez os Espíritos que colaboraram na Codificação e na Sociedade Espírita de Paris? Talvez Chico Xavier, Emmanuel, André Luiz, Herculano Pires? Ou então Amélie Boudet ou mesmo o próprio Allan Kardec? Nenhum deles. Muitos participantes confessaram uma certa decepção e surpresa com a manifestação já aguardada do Espírito Léon Denis, mas poucos esperavam uma comunicação de Canuto Abreu, um dos maiores admiradores e divulgadores da obra de Kardec e que caiu no esquecimento e na desconsideração de muitos espíritas logo após o fato que iremos relatar. Em 1957, durante as comemorações do centenário da Codificação, o Dr. Canuto tinha reservado uma grande surpresa para a comunidade espírita. Durante anos se empenhou pessoalmente para traduzir a primeira versão de “O Livro dos Espíritos” e publicou, com recursos próprios, uma interessante versão bilíngüe da obra. O nosso caro confrade tinha todas as razões para crer que estava dando uma preciosa contribuição cultural para a memória do Espiritismo. Era considerado o mais erudito dos espíritas e, por isso, foi convidado para discursar na abertura da grande festa organizada pelos paulistas no Ginásio do Pacaembu. Quase dez mil pessoas ouviram, encantadas, a descrição romanceada feita pelo orador sobre o histórico dia 18 de abril de 1857. Na mesa das autoridades estavam Luiz Monteiro de Barros, Paulo Toledo Machado e Abrahão Sarraf, representando a USE; Carlos Jordão da Silva, pelo Conselho Federativo Nacional, os vereadores Freitas Nobre e Matilde de Carvalho; João Teixeira de Paula, do jornal Unificação; Luisa Peçanha Camargo Branco e Eurides de Castro, da comissão organizadora do evento; e Herculano Pires, do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo. Na foto histórica Canuto e Herculano aparecem lado a lado numa aparente harmonia fraternal. Passados os festejos, Herculano, preocupado com uma possível confusão de diferenças e semelhanças entre as duas edições históricas do Livro dos Espíritos, não conseguiu segurar o seu ímpeto vigilante e publicou um artigo agressivo fazendo pesadas críticas ao trabalho do Dr. Canuto. Extremamente sentido e magoado, o Dr. Canuto Abreu mandou recolher os exemplares da preciosa edição documental. Afastou-se completamente do movimento espírita, apagando-se em triste reclusão e anonimato. Nunca reclamou publicamente da crítica, nem tampouco justificou sua atitude de afastamento. Os exemplares permaneceram guardados no porão de sua residência por mais de meio século, sendo depois resgatado pelo Museu Espírita de São Paulo”.

Nova História do Espiritismo – Dalmo Duque dos Santos. Editora Corifeu. Rio de janeiro.


Relatos da imprensa espírita sobre o assunto
Os Documentos de Canuto Abreu

Os confrades Carlos de Brito Imbassahy (RJ) e Jamil Salomão (SP) divulgaram há alguns anos a notícia de que foram entregues ao Dr. Canuto de Abreu, em Paris, pouco antes de estourar a Guerra de 1939, documentos de Allan Kardec, incluindo cartas suas endereçadas a Roustaing, acusando-o de controverter a ordem doutrinária e de traidor dos postulados espíritas.

Escreveu Carlos de Brito Imbassahy, sob o título "Dr. Canuto de Abreu" ("Mundo Espírita", PR, de 31.08.1980): "Os tempos se passam". Indo a São Paulo em companhia do Olympio (que fazia vez de meu irmão), e da esposa, fomos almoçar com o Dr. Canuto de Abreu; nesta tarde, ele nos leva para os seus arquivos particulares e nos mostra um "dossier" contando-nos a história.

"Estava na França pouco antes de estourar a Guerra de 1939 quando, intempestivamente, fui procurado por dois cidadãos que se apresentaram e se disseram que ali estavam por ordem espiritual. Os cidadãos haviam recebido instrução de seus guias que deveria vir do Brasil uma determinada pessoa em tais circunstâncias que coincidiam exatamente com as minhas (dizia o Dr. Canuto) e que a esse cidadão deveriam ser entregues os arquivos particulares do próprio Allan Kardec, pois a Europa iria passar uma fase conturbada de guerra e, se esses documentos fossem encontrados, seriam destruídos".

Ali estava, diante de mim e de Olympio, a letrinha de Kardec, suas opiniões e um envelope "confidencial-não pode ser publicado". Mostrou-me seu conteúdo dizendo:

"Gostaria de doar este acervo à Federação Espírita Brasileira, mas ela é roustainguista e, na certa, não vai admitir que seja ela própria a portadora de documentos que condenam "Os Quatro Evangelhos" (de Roustaing!).

Disse isso e mostrou-me duas cartas manuscritas onde, por cima, lia-se:

"Carta enviada ao senhor João Batista Roustaing, cartas essas que são um libelo terrível, no qual acusa o "colega" de controverter a ordem doutrinária, deixando-se envolver por mistificadores cujo único objetivo era desmoralizar o sistema de comunicação com os mortos."

Jamil Salomão (CF do ABC, janeiro/1990) escreveu, sob o título "J. B. Roustaing, o Judas do Espiritismo":

"Esta afirmativa é atribuída a Allan Kardec", feita em uma carta endereçada ao insigne escritor Léon Denis, cujo próprio original se encontra em poder do Dr. Canuto de Abreu, conhecido intelectual e espírita da capital de São Paulo, que possuía farto material que pertencia a Kardec. Numa Visita fraterna ao Dr. Canuto, pelos idos de 1974, em companhia do Dr. Freitas Nobre e da médica Dra. Marlene Severino Nobre, ouvimos essas revelações surpreendentes, pois desconhecíamos a existência de um documento de tal importância. Imediatamente foi solicitado ao Dr. Canuto de Abreu permissão para a divulgar o material, bem como obter cópia do mesmo, a fim de ser noticiado no jornal "A Folha Espírita", que estava sendo lançado naquela época, como o primeiro jornal espírita a ser colocado nas bancas públicas e com distribuição nacional. O Dr. Canuto se mostrou temeroso, não permitindo a divulgação da carta de Kardec, na qual atribuía a Roustaing a condição de traidor dos postulados espíritas, ao lançar "Os Quatro Evangelhos", atribuindo-lhes o título de "Revelação da Revelação", o que poderia ser motivo de uma cisão no movimento espírita."(...) Comentário: Quanto ao escrúpulo do Dr. Canuto de Abreu, e agora de seus familiares, em não dar publicidade às cartas de Allan Kardec contra Roustaing, ocorre-nos lembrar à distinta família que, se o plano espiritual se preocupou com a preservação dos documentos de Kardec, incluídas as referidas cartas, não foi para que elas permanecessem desconhecidas do público espírita. É óbvio, caso contrário os espíritos deixariam que tais documentos fossem destruídos pelos invasores alemães, como estava previsto. Com essa atitude, a nosso ver, equivocada, da respeitável família Canuto de Abreu, apenas se exumaram, em Paris, as cartas de Allan Kardec para dar lhes nova sepultura, no Brasil. E perguntamos: Para que? Consultando sobre o paradeiro dessas cartas, informou Carlos de Brito Imbassahy que conforme lhe disseram, elas estariam em poder de um neto do Dr. Canuto de Abreu. Fazemos este apelo a quem guarde estas cartas de Allan Kardec: que as entregue para divulgação, a um jornal de grande circulação, "Correio Fraterno do ABC" ou "Jornal Espírita", a meu ver, os mais credenciados para dar-lhes publicidade.

Espíritas Verdadeiros! Esclareçam-se sobre os erros contidos na obra de Roustaing, estudando uma ou todas as seguintes obras e respectivos autores, indicados por Erasto de Carvalho Prestes, Niterói, RJ (página 2): Luciano Costa ("Kardec e não Roustaing"); José Herculano Pires ("O Roustainguismo à Luz dos Textos"); Júlio Abreu Filho ("Erros Doutrinários"); Ricardo Machado ("Máscaras Abaixo"); Henrique Andrade ("A Bem da Verdade"); Wilson Garcia ("Corpo Fluídico"); Gélio Lacerda da Silva ("Conscientização Espírita"); Nazareno Tourinho ("Retalhos de um Atalho" e "As Tolices e Pieguices da Obra de Roustaing"). "De nada valeu exumar, em Paris, as cartas de Allan Kardec a Roustaing, porque lhes foi dado nova sepultura, no Brasil." Correio Fraterno do ABC, ano XXXII, nº 343 página 7, de Agosto de 1999, sob o título “APELO AOS PARENTES DO DR. CANUTO DE ABREU”, assinada por Gélio Lacerda da Silva.


Mensagem de Canuto Abreu no Congresso de 2004

Allan Kardec!

Este nome é um marco de um tempo novo. É uma legenda de luz e de força moral que edifica um tempo especial de regeneração humana, e que, ao longo de mais de seis décadas, esteve no mundo das formas para materializar os ensinamentos do Mundo Etéreo, junto às almas terrenas.

Alma de escol, sem embargo, Allan Kardec veio ao planeta para representar no campo físico a Equipe Luminosa do Espírito da Verdade, que jorrava claridade sobre o orbe sob a ação venturosa do Cristo Excelso.

Nesse tempo em que o Espiritismo está no mundo, como esplendente Sol diluindo os miasmas da longa noite moral humana, ainda que pouco a pouco, são incontáveis aqueles que vêm recebendo o sustento para viver com entusiasmo, a motivação para prosseguir nas árduas lutas, sem pensar em fugir dos proscênios dificultosos dessas graves experiências das sociedades terrenas.

Quantos se arredaram das idéias suicidas, pelo entendimento de que ninguém morre essencialmente?

Quantos desistiram do abortamento por terem admitido o acinte que tal coisa representa contra as divinas leis de Deus?

Quantos se decidiram por manter iluminada por Jesus a estrutura do lar, ao verificarem sua importância para o progresso familiar?

Quantos se dedicaram a estudar as leis da vida e a estudar-se, anelando o entendimento e a melhoria de si mesmos?

Quantos abriram mão dos preconceitos de raça, de cor da epiderme, de gênero, de cultura e tantos outros, libertando-se dessa forma de ignorância que se demora no seio das sociedades?

Quantos que se esforçam por servir, por amar, desejosos de se tornarem cada vez mais úteis no campo da existência?

Quantos hão renunciado às pressões do homem-velho, na corajosa busca dos valores do homem-novo, conforme as considerações do Apóstolo Paulo?

Quantos sofrem e choram seus tormentos de agora, conscientes quanto às razões desses complexos dramas, sem se permitir murchar pelo desânimo, ante a visão lúcida que o Espiritismo enseja?

Hoje, quando reconhecemos, na Pátria Espiritual, os inúmeros equívocos que costumamos cometer, quando caminhantes da vilegiatura corporal, vale considerar a importância de fazer com que a gloriosa informação da Codificação penetre nossa intimidade, a fim de que respiremos esse portentoso pensamento espírita, convertendo-o em nossa real filosofia de vida, o que nos capacitará para a conquista da felicidade.

Quantos que ainda supõem que é possível ser espírita sem ajustar a própria existência aos preceitos da Codificação, e que se enganam com essa suposição?

Quantos que ainda crêem na ventura post-mortem longe dos esforços para a superação de limitações e obstáculos encontrados nas vias mundanas, e que se frustram no além?

Acho-me sob intensa emoção. Lutamos, durante um tempo longo, junto aos valorosos Benfeitores do nosso Movimento Espírita Internacional, para que este momento fosse corporificado aqui, nos campos fluídicos da alma francesa. E o Senhor da Vida no-lo consentiu. Mais do que isso, destacou eminentes Numes de vários países para formar a coordenação deste evento, a efeméride do IV Congresso Espírita Mundial, sob a inspiração do próprio Codificador.

Cabe-nos vibrar, então, ao se fecharem as cortinas deste Congresso, certos de que suas luzes não se apagarão. Os elementos energéticos que absorvemos aqui, resguardados por luminosos Prepostos de Jesus, acompanhar-nos-ão como inspiração para os trabalhos futuros e como medicação valiosa para que, daqui para a frente, logremos o fortalecimento da alma para estudar, para amar e servir, mais conscientes dos nossos deveres para conosco, para com Jesus e para com a vida, agora aclarada em seus fundamentos pelos ensinamentos do Espiritismo que, vitorioso no mundo, impulsiona-nos a ter maior clareza e penetração da razão, ao mesmo tempo que, dedicados ao bem, possamos ser felizes.

Deixo o meu abraço emocionado a todos quantos vibraram, vibram e vibrarão com essa realização bendita no solo francês, e a todos desejo paz e muita luz junto à Seara do Espiritismo.

Servidor de todos, agradecido e vibrante,

Sylvino Canuto Abreu

(Mensagem psicografada pelo médium Raul Teixeira, por ocasião da sessão de encerramento do IV Congresso Espírita Mundial, em 05.10.2004, Paris-França)


Mensagem de Gabriel Dellane

LIBERDADE COM O ESPIRITISMO

No seio do pensamento fulgente da Doutrina Espírita, todos achamos motivação para encetar os passos da nossa verdadeira libertação. Com Allan Kardec, o alcandorado amigo e ínclito Codificador do Espiritismo, torna-se menos complexa essa azáfama para a manumissão anelada. O mundo seria mais leve, e a vida humana mais fácil de ser vivida se conseguíssemos entender e usufruir a sonhada liberdade.

Liberta-se-ia a Ciência com o pensamento espírita se, ao encontrar o agente de tudo, o princípio inteligente do Universo, o Espírito, se abstivesse de tudo atribuir somente aos fenômenos materiais, como princípio e fim de tudo. Verificaria, então, quão rica e grandiosa seria a visão científica, a partir do enriquecimento trazido pela constatação e valorização consciente do horizonte espiritual.

Liberta-se-ia a Filosofia por meio do pensamento espírita, quando pousasse suas reflexões, fosse qual fosse a escola de pensamentos sustentada, na realidade do ser imortal, ao conceber que o pensamento é atributo da alma. A partir disso, se tornaria mais simples a compreensão de que tudo quanto existe no campo da matéria densa não passa das elaborações da mente, do psiquismo do ser espiritual. Entenderia o filósofo, sob a profunda luz espírita, que há um caminho menos agreste para a compreensão do ser e da existência, bem como o sentido de tudo isso, nos mundos disseminados pelos espaços.

Liberta-se-ia a Fé Religiosa ante o pensamento espírita, qualquer que fosse a sua linha interpretativa dos fenômenos da alma, ao observar seriamente e penetrar o conhecimento das leis da natureza, base em que se apóia a estrutura espírita. Destronaria o interesse subalterno de dominação de consciências, valorizaria o trabalho de amadurecimento das consciências para a visão de Deus, o que aclararia a reflexão do crente para a libertá-lo, por fim, da pieguice, do fanatismo, do fundamentalismo destrutivo.

Atido à grandeza do pensamento espírita, Allan Kardec presenteia a humanidade com a ensancha de estabelecer a libertação das criaturas, graças ao conhecimento da verdade, o que confirmaria o ensinamento do Cristo Jesus.

Se o conhecimento que estamos angariando na vida não nos é capaz de libertar da sombra generalizada, sombra do intelecto, sombra do sentimento, sombra da moral, algo está em equivoco. Ou esse conhecimento não é a expressão da verdade, ou, então, de nossa parte, não estamos assimilando devidamente seus conteúdos.

É hora de despertar, nessa fase aziaga da experiência humana.

Estamos perante o extravasar de loucuras sem dimensão; achamo-nos diante das explosões do egoísmo; encontramo-nos submetidos a um tempo de graves pelejas provocadas por incontáveis almas aturdidas, infelizes em si mesmas, que pesam sobre o psiquismo terrestre, espalhando o seu infortúnio. É tempo de cuidados intensos para a inadiável marcha.

À frente de tudo isso, porém, raia o Sol portentoso do Espiritismo no cerne da Codificação de Kardec, que nos deverá aquecer e iluminar para a vitória, para a espiritual libertação.

Agora, quando rendemos ao Mestre de Lion as justíssimas homenagens pela contagem desses dois séculos de seu último berço no mundo, sob os céus que cantavam as pautas da liberdade, da igualdade e da fraternidade, unimo-nos em oração para agradecer ao Criador por esse ensejo e por nosso júbilo, júbilo da família espírita do mundo, reunida em Paris.

Saudamos, pois, o Codificador, por haver-se tornado para nós o instrumento da liberdade que o Cristo anunciou para a humanidade inteira.

Com os mais cordiais votos de progresso e de paz, sou o servidor de todas as horas, o sempre amigo

Gabriel Delanne

(Mensagem psicografada pelo médium Raul Teixeira, por ocasião da sessão de encerramento do IV Congresso Espírita Mundial, em 05.10.2004, Paris-França)


Congresso do Bicentenário de Allan Kardec, Paris 2004
Carlos Imbassay, Freitas Nobre e Marlene Nobre



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